Discurso* do Coronel Lício
Augusto Maciel na Câmara dos Deputados, em sessão solene em homenagem aos
combatentes mortos no Araguaia, realizada no dia 26 Jun 2005.
"Genoíno, olhe no meu olho, você está me vendo. Eu prendi
você na mata e não toquei num fio de cabelo seu. Não lhe demos uma facãozada,
não lhe demos uma bolacha - coisa de que me arrependo hoje."
Como participante dos acontecimentos que passo a relatar, fiz apenas um resumo
dos itens mais perguntados, porque a dissertação será por rememoração dos
fatos. Para isso, tiro os óculos, a fim de que aqueles que vou citar me olhem
bem no fundo dos olhos e tenham suficiente coragem de afirmar que tudo o que
foi dito aqui é a pura verdade - se bem que não há necessidade, porque eles
mesmos já confirmaram em outras ocasiões.
O primeiro item selecionado se refere à razão da minha escolha para a missão de
descobrir o local da guerrilha, que hoje se diz Guerrilha do Araguaia. Em 1969,
após a morte do terrorista Marighella em São Paulo, em seus documentos foram
encontradas várias citações sobre o local da "grande área", uma
possível grande área de treinamento de guerrilha. Eu estava chegando a Brasília
em 1968, já pela segunda vez. No meu passado, em 1954, fiz o curso de
pára-quedista e, em seguida, o curso de Forças Especiais da Divisão de
Pára-Quedistas, especializando-me na modalidade Guerra na Selva.
Posteriormente, ao curso de Operações Especiais (hoje Forças Especiais) foram
incorporadas outras especialidades e, mais tarde, criado o Centro de Instrução
de Guerra na Selva, CIGS, no coração da Amazônia. Detentor do curso de Forças
Especiais e considerado, à época, elemento com credenciais para desenvolver
operações de selva, percorri muitas vezes a rodovia Belém-Brasília, estrada
pioneira (de barro). Eu e minha equipe, de 3 ou 4 homens, chegamos à conclusão,
pelos indícios obtidos, de que a "grande área" estava na região do
"Bico do Papagaio", entre Xambioá, Marabá, Tocantinópolis e Porto
Franco.
Não obstante, o fato mais importante que nos permitiu chegar a essa conclusão
foi a prisão, em Fortaleza, do terrorista Pedro Albuquerque. Pedro Albuquerque
foi preso quando tentava tirar documentos em Fortaleza. Recolhido ao xadrez,
tentou suicídio, cortando os pulsos. A sentinela, ao passar, viu, deu o alarme
e ele foi levado para um hospital da guarnição. O documento resultante das
declarações de Pedro Albuquerque foi enviado diretamente de Fortaleza para
Brasília e chegou às mãos do General Bandeira, que imediatamente mandou buscar
o preso. Enquanto eu preparava a equipe, o preso chegou e partimos, junto com
Pedro, para o ponto de referência indicado por Pedro: Xambioá.
Chegamos ao Rio Araguaia, pegamos uma canoa grande, com motor de popa e fomos
até ao local de Pará da Lama: era uma picada ao longo da floresta, na direção
do Xingu. Andamos o dia inteiro. Chegamos ao anoitecer na casa do último
morador, com o Pedro levado por nós. Não estava algemado, amarrado ou coisa
assim. Ele foi acompanhando nossa equipe, livre. Há várias testemunhas desse
episódio aqui presentes. Chegamos à casa de Antônio Pereira, pernoitamos sob
telheiros e, no dia seguinte, às 4 horas, prosseguimos em direção ao local
indicado pelo Pedro Albuquerque. Ao chegarmos lá, avistamos três homens, ou
melhor, três pessoas, pois uma era mulher, descansando para almoço, presumo.
Aproximamo-nos do local para conversar com eles, para saber o que estavam
fazendo ali. Eram três e, no nosso grupo, havia seis, o que levou-os a fugir.
Fiquei abismado com o estoque de comida e de material cirúrgico encontrado no
local, onde havia até uma oficina de rádio, 60 mochilas de lona, costuradas (no
local) em máquina industrial. Jogamos muita coisa no meio de um açude, tocamos
fogo no resto e voltamos sem fazer prisioneiro.
Poderíamos ter atirado naqueles elementos. Estávamos a 80 metros: um tiro de
fuzil os atingiria facilmente, pois estavam sentados. Mas nosso objetivo não
era matar, não era trucidar. Nosso objetivo era confirmar o que eles estavam
fazendo lá, pois, de acordo com Pedro Albuquerque, eram guerrilheiros. Estavam
exatamente na área indicada por Pedro Albuquerque que, aliás, viu toda a
operação.
Destruímos todos os seus aparelhos e um grande volume de frutas - melancia, jerimum
etc. Ficamos impressionados com a quantidade de comida que havia lá, inclusive
sacas de arroz; havia até, como já disse, uma oficina de rádio, com
equipamentos sofisticados. Embora uma oficina rústica, mas que funcionava,
assim como o gerador, lá atrás. O Pedro Albuquerque retornou com dois dos
nossos, sendo recolhido ao xadrez de Xambioá, e continuamos nossa missão. Como
os três elementos fugitivos certamente avisaram para o resto do grupo do
Destacamento C, mais ao sul, em frente a São Geraldo do Araguaia, que estávamos
indo para lá, ao chegarmos os vimos fugindo com muita carga - até violão
levavam. Estavam se retirando da área do Destacamento C, do Antônio da Dina e
do Pedro Albuquerque. É bom lembrar que Pedro Albuquerque nos levara ao
Destacamento C, ao qual pertencera e de onde fugira porque os bandidos exigiram
que fizesse um aborto em sua mulher, que estava grávida. Mas o casal não se
conformou com a ordem, principalmente porque outra guerrilheira grávida tinha
sido mandada para São Paulo, para ter o filho nas "mordomias" daquela
cidade. Coincidentemente, ela era casada com o filho do chefe militar da
guerrilha, Maurício Grabois. Passamos a perseguir esse grupo e continuamos
avançando. Embora chovesse bastante, estávamos nos aproximando. Eles resolveram
soltar a carga que estavam levando e o guia, morador da área, disse-me:
"Agora, nós não vamos pegar eles porque estão fugindo pra gameleira".
Demos uma meia parada e passamos a destruir o equipamento abandonado por eles.
Foi então que pressentimos a vinda de alguém pela trilha. Nós estávamos no meio
da mata e esse elemento vinha pela trilha. Agachamo-nos e observamos um
elemento forte, com chapéu de couro, mochila nas costas e facão na cintura.
Então, quando chegou bem próximo, dei a ordem: "Prendam esse cara!"
Não sei, não posso me lembrar, se foi o Cid ou se foi o Cabo Marra que pegou o
Genoíno, pois esse elemento, que dizia chamar-se Geraldo, posteriormente foi
identificado como Genoíno - que naturalmente está me olhando agora. E eu tiro os
óculos justamente para ele me reconhecer, porque da minha cara ninguém esquece,
principalmente com aquela cara que eu estava na mata, depois de vários dias
passando fome e sede, sujo, cheio de barba... Mas é a mesma cara... É o mesmo
olhar de quando o encarei e disse: "Seu mentiroso! Confesse! Você não tem
mais alternativa".
Por que eu descobri que o Genoíno era guerrilheiro ?
Ele se dizia Geraldo e se dizia morador da área (claro, elemento na área,
suspeito, eu mandei deter). Mesmo algemado e com tudo nas costas, uma mochila
pesada e grande, ele fugiu. O Cabo Marra deu três tiros de advertência, e ele
parou. Mas não parou por causa da advertência, parou porque se emaranhou no
cipoal e o pessoal conseguiu pegá-lo. Eu perguntei: "Por que você está
fugindo? Nós apenas estamos querendo conversar com você. Para você não fugir,
vamos ter de algemá-lo". "Eu sou morador" - disse ele.
Deixei o pessoal especializado em inquirição conversar com o Genoíno - até
então Geraldo. O Cid conversou bastante tempo com o Genoíno e, afinal, veio a
mim e disse: "Comandante, não tem nada, não". "Está bem" -
respondi. Como eu já estava há muito tempo no mato e já tinha decidido levar
esse Geraldo para Xambioá, peguei a mochila dele. Quero também ressaltar que
havia um elemento na minha equipe - já falecido - especialista em falar com o
pessoal da área; um elemento excepcionalmente bondoso, ao qual presto minhas
homenagens. O João Pedro, apelidado por nós de Jota Peter, ou Javali Solitário
- onde estiver estará me escutando. João Pedro era quem falava com o matuto,
com o pessoal da área. Eu, na minha linguagem urbana, não era entendido nem
entendia o que eles falavam. Pois bem, o Javali veio a mim e disse: "Ele
não tem nada. É morador da área". Como homem de selva que era, peguei a
mochila do Geraldo e comecei a abri-la. Tirei pulôver, rede e um bocado de
"bagulho" da mochila do Geraldo, até encontrar um tubo de remédio no
fundo da mochila. Ao pegar aquele tubo e olhar para o Genoíno, vi que ele
estava lívido, pálido. Lembro-me que ainda lhe disse: "Companheiro, fique
tranqüilo porque nós não vamos fazer nada com você; você é morador da
área". E abri o tubo...
Lá encontrei material típico de sobrevivência - linha de pesca fina, anzóis.
Como eu havia feito um curso e só sabia teoricamente sobre o assunto,
interessei-me por aquele exemplo prático, em um local de difícil acesso na
selva amazônica. À medida que eu ia puxando aquelas linhas, o Genoíno - aliás,
o Geraldo - ia ficando mais desesperado. E quando eu esvaziei o tubo, olhei
para ele... estava branco como cera. Quando eu olhei para ele [Genoíno]e disse:
"Você não tem mais alternativa porque aqui está a mensagem", ele
disse: "Eu falo". Foi quando, lá no fundo do tubo, vi um papel
pautado, dessas cadernetas em que todo dono de bodega na área anotava as suas
vendas. Cortei uma talisca do meu lado, puxei o papel e lá estava a mensagem do
Comandante do Grupamento B, da Gameleira, o Osvaldão, para o Comandante do
Grupamento C, Antônio da Dina. Estava lá a mensagem que o Genoíno transportava
para o Antônio da Dina. Era uma mensagem tão curta que ele, como bom escoteiro
que era, poderia ter decorado, pois até hoje, mais de 30 anos passados, eu me
lembro do que ela dizia. Era uma dúzia de palavras em linguajar militar, de
próprio punho do Osvaldão, o Comandante do Grupamento B da Gameleira, o
grupamento mais perigoso da guerrilha, como constatamos no desenrolar das
lutas.
Aliás, esse foi o grupo que matou o primeiro militar na área. Antes de qualquer
pessoa morrer, o grupo do Osvaldão matou o Cabo Rosa, Odílio Cruz Rosa. Depois
do Cabo Rosa eles mataram mais 2 sargentos e fizeram muito mal aos militares,
que nada sabiam até então. Só quem sabia era o pessoal de informações.
Bem, prosseguindo. O Genoino foi mandado para Xambioá. A essa altura ele deixou
de ser suspeito e disse tudo sobre a área. Quando eu olhei para ele e disse:
"Você não tem mais alternativa porque aqui está a mensagem", ele
disse: "Eu falo".
Genoíno, olhe no meu olho, você está me vendo. Eu prendi você na mata e não
toquei num fio de cabelo seu. Não lhe demos uma facãozada, não lhe demos uma
bolacha - coisa de que me arrependo hoje. Um elemento da minha equipe, fumador
inveterado, abriu um pacote de cigarros, aproveitou aquele papel branco do
verso, pegou um toco de lápis, não sei de onde, e o João Pedro começou a anotar
o que o Genoino falava. Fui até um córrego próximo beber um pouco d'água.
Voltei e o papel estava cheio, com toda a composição da Guerrilha - nomes,
locais, Grupamento C, ao sul; Grupamento B, da Gameleira, perto de Santa
Isabel; e Grupamento A, perto de Marabá. Eram esse os 3 grupos efetivos, em que
se presumiam 30 homens por grupamento, além de um comitê militar, comandado por
Maurício Grabois."Genoino, aquele rapaz foi esquartejado!" Peguei
aquele papel e ainda comentei com ele: "Pô, meu amigo, tu és um cara
importante desse negócio aí, hein?" E mandei o Genoíno para Xambioá, onde
foi recolhido ao xadrez e, posteriormente, enviado a Brasília. Três ou quatro
dias depois, não me lembro, veio a confirmação da identificação: o guerrilheiro
Geraldo era o José Genoino Neto. Triste notícia veio depois. O grupo do Genoíno
prendeu um filho do Antônio Pereira, aquele senhor humilde, que morava nos
confins da picada de Pará da Lama, a quilômetros de São Geraldo. O filho dele
era um garoto de 17 anos, que eu não queria levar como guia, porque ao olhar
para ele me lembrei do meu filho, que tinha a mesma idade. Eu dissera ao João:
"Não quero levar o seu filho". Eu sabia das implicações, ou já
desconfiava. Mas o pobre coitado do rapaz nos seguiu durante uma manhã, das 5h
até o meio-dia, quando encontramos os três nos aguardando para almoçar. Pois
bem. Depois que nos retiramos, os companheiros do José Genoíno pegaram o rapaz
e o esquartejaram.
Genoino, aquele rapaz foi esquartejado! Toda a Xambioá sabe disso, todos os
moradores de Xambioá sabem da vida do pobre coitado do Antônio Pereira, pai do
João Pereira, e vocês nunca tiveram a coragem de pedir pelo menos uma desculpa
por terem esquartejado o rapaz! Cortaram primeiro uma orelha, na frente da
família, no pátio da casa do Antônio Pereira; cortaram a segunda orelha; o
rapaz urrava de dor; a mãe desmaiou. Eles continuaram, cortaram os dedos, as
mãos e, no final, deram a facada que matou João Pereira. Pois bem, eles fizeram
isso apenas porque o rapaz nos acompanhou durante 6 horas. Para servir de
exemplo aos outros moradores, de forma que não tivessem contato com o pessoal
do Exército, das Forças Armadas. Foi o crime mais hediondo de que já soube. Nem
na Guerra da Coréia ou na do Vietnã fizeram isso.
Algo parecido só encontrei
quando trucidaram o Tenente PM Alberto Mendes Júnior. Esse Tenente PM se
oferecera voluntariamente para substituir dois subordinados que estavam ferido,
capturados pela guerrilha do Lamarca. Lamarca pegou o rapaz, castrou-o,
obrigou-o a engolir os órgãos genitais e trucidou-o. Pois o crime contra o João
Pereira foi muito mais grave, muito mais horrendo. E eles sabem disso.
Peçam
desculpas ao Antônio Pereira, se ele estiver vivo! Tenham a coragem de
reconhecer, pois toda a Xambioá sabe disso! Genoíno preso e identificado... mas
a Guerrilha prossegue. Depois de matar o João Pereira, mataram o Cabo Odílio
Cruz Rosa; depois do Rosa, eles mataram dois sargentos; depois dos dois
sargentos, eles atiraram no Tenente Álvaro, que pode contar a história, como
estou contando aqui. Na minha versão, o Álvaro deu voz de prisão ao bandido e
eles atiraram. Outro, que estava atrás, atirou nas costas do Álvaro. Depois
desse ferido, houve vários outros feridos, até que, finalmente, eu fui ferido e
tive que sair da área. Porém, antes, as tropas do Exército saíram da área, ao
constatar que aquele era um movimento de monta, mais planejado - planejado em
Cuba. Sabemos como funciona a mente de um comunista. Um comunista tranqüilo,
sem arma na mão,,, tudo bem. Aquilo é o que ele pensa e a nossa democracia
permite isso. Mas aquele que pega em arma, tem de ser eliminado. Um homem que
entra numa mata para combater em nome de um regime de Fidel Castro, esse cara
tem que ser morto! Foi então realizada a Operação Sucuri, que fez um
levantamento completo de informações: do que se tratava, qual o valor do
inimigo, onde ele estava, enfim, todos os itens necessários para que fosse
elaborada uma ordem de operações para o combate à Guerrilha. Isso durou 5 ou 6 meses
e já existe literatura´publicada muito boa a respeito. Elementos militares
descaracterizados, à paisana, foram postos dentro da mata, desarmados, com
identidade falsa, infiltrados na área dos bandidos. Qualquer um de nós, em sã
consciência, reconhece que esses homens da Operação Sucuri foram uns heróis.
Naquela época, se me tirassem as armas e me botassem na mata... não sei não...
No ímpeto da juventude, talvez eu fosse, como eles foram. Eram capitães,
tenentes e sargentos.Terminada a Operação Sucuri, já sabíamos do que se
tratava, confirmadas todas ou quase todas as informações que o Genoíno tinha
dado. Três grupos, comando militar e a chefia em São Paulo, sob o comando de
João Amazonas - que fugiu da área ao primeiro tiro. Grande valentia! Herói... João
Amazonas ?! João Amazonas, repito, fugiu da área ao primeiro tiro, junto com
Elza Monnerat. Deixou lá garotos, estudantes e os fanáticos comunistas, tipo
Maurício Grabois, que influenciou seu filho, André Grabois, o personagem
central do evento que vou relatar agora. O comandante do Comitê militar da
guerrilha era o André Grabois. A esposa dele, a Criméia, que talvez esteja me
olhando, disse que o pegamos numa emboscada, mas não houve emboscada! Como o
Exército saíra da área para fazer operação de informações, a Operação Sucuri,
eles cantaram vitória prematuramente: "Seu Exército é de fritar
bolinho". Muito bem... fritamos bolinho.Eu já estava de volta à área e
recebi a seguinte ordem: "Vá à região de São Domingos a pé, porque de
viatura não se chega lá. Eles destruíram uma ponte na Transamazônica."
Peguei a minha equipe e fui para São Domingos. Atravessei o rio. A ponte, de
madeira, estava destruída, mas atravessei a vau. Cheguei a São Domingos e
encontrei o posto da PM incendiado. Ao alvorecer daquele dia - se não me
engano, 10 de outubro de 1973, eles destruíram e incendiaram o posto. Deixaram
todos os militares nus, inclusive o Tenente PM comandante do destacamento;
pegaram todo o armamento, toda a munição e todo o fardamento. Entraram na mata
e deixaram um recado: "Não ousem nos seguir, porque o pau vai
quebrar". Infelizmente, Criméia, seu marido morreu por isso: pude ver as
suas pegadas bem nítidas, pois eles estavam carregados com cunhetes de munição,
fuzis da PM, revólveres, e foi fácil seguir o grupo. No terceiro dia, para
resumir, houve o encontro. Eles estavam tão certos de que o Exército não iria
lá que estavam caçando porcos. Às 6 da manhã, eu escutei o primeiro tiro e o
grito dos porcos. Às 15 horas houve o combate. Vejam bem o espaço de tempo: de
6 da manhã às 15 horas. Eu estava a menos de 10 metros do primeiro homem, que
era o comandante do grupo, André Grabois, filho de Maurício Grabois. Ele estava
sentado, com um gorro da PM na cabeça, que tomara do Tenente, e uma arma na
mão. Olhei para os meus companheiros, que vinham rastejando, e perguntei:
"Será que vamos encontrar um bando de PMs aí ?"
Olhei... eles entraram em posição... e eu me levantei. Quase encostei o cano da
minha arma em André Grabois: "Solte a arma !". Ele deu aquele pulo e
a arma já estava na minha direção. Não deu outra: os meus companheiros, que
chegavam, acertariam o André, caso eu tivesse errado, o que era muito difícil,
pois estava a um metro e meio, dois metros dele. Foi destruído o Comando
militar da Guerrilha. Todos eram formados na China, em Pequim, em Cuba. Não me
lembro do nome de todos, mas citarei alguns: André Grabois; o pai, Maurício
Grabois, que mandou o filho fazer curso em Cuba; o Calatroni; o Nunes. O João
Araguaia se entrincheirou atrás de um tronco de árvore e não se mexeu; depois
do tiroteio, saiu correndo, sem arma. Ninguém atirou no João Araguaia porque
ele estava sem arma. O Nunes estava gravemente ferido, mal falava e, quando o
fazia, o sangue corria pela boca, mas ele conseguiu dizer da importância do grupo
e citou os nomes - não sei se nome ou codinome - de todos eles: o Zequinha, ele
disse, esse é o André Grabois. Estava morto. Esse foi o primeiro combate
significativo contra os guerrilheiros, onde foram desmoralizados. Eles diziam
para os soldados não entrarem na mata porque os oficiais não entravam. Ora, o
próprio acampamento dos militares ficava no meio da selva... Em seguida,
ocorreu o incidente do dia 23 de outubro, 10 dias depois. Continuando na
perseguição ao bando, encontramos pegadas de um grupo numeroso. Aquele grupo,
do Zé Carlos, era do Grupamento A. Quando encontramos umas trilhas, depois,
soubemos que era do Grupamento B, do Osvaldão. Eu já estava a menos de 100
metros do grupo quando percebi o guia voltando para a retaguarda. O guia era um
morador da área, que não tinha nada com a guerra; estava lá apenas auxiliando o
Exército a pegar os "paulistas", que era como chamavam os
guerrilheiros.
Quando o guia começou a retrair, achei que a coisa estava feia, mas continuei.
Nisso, um dos guerrilheiros retorna, volta inesperadamente, e dá de cara
comigo. Eu agachado e ele olhando para mim. Foi quando dei a ordem de prisão:
"Mãos na cabeça !".
Ele levantou uma mão e foi quando vi que era uma mulher. Ela levantou uma mão
fazendo sinal de... para eu ficar olhando para a mão enquanto ela desamarrava o
coldre. Dei 3 vezes a ordem de prisão, mas ela não obedeceu. Quando eu vi que
ela estava abrindo o coldre gritei "Não faça isso !". Mas ela sacou a
arma e vi que não tinha jeito: atirei. Acertei a perna dela, que caiu, caiu
feio. Aliás, ela não caiu, desmoronou; deu um salto, como se tivesse recebido
uma patada de elefante. Ela caiu uns 3 metros adiante, tal o impacto.
Eu corri, ela não estava mais com a arma, estava nos estertores da dor,
chorando e gritando. Eu disse: "Fica calma que vamos te salvar".
Procurei a arma... a selva muito cheia de folhas... não achei a arma. Meu erro:
não deixei um sentinela com ela. Éramos poucos, eles eram vinte, eu precisava
de gente. Continuamos a perseguição ao grupo, e eles atravessaram o córrego.
Resolvi voltar, já estava escurecendo. Quando me agachei ela atirou-me, à
queima roupa. O tiro pegou na mão e acertou na face, atravessando o véu
palatino e se encaixando atrás da coluna; e eu caí. Outro tiro que ela deu
acertou o braço do Capitão Curió, subcomandante da equipe. O restante da minha
equipe revidou, claro, encerrando a carreira de bandido da Sônia, nome da
guerrilheira. Fui carregado em uma rede e transportado na mata. Altas horas da
noite, os soldados que estavam me carregando passaram os seus fuzis para um
outro, do lado deles. E o que ia levando 2 fuzis, um fuzil batendo no outro,
fazia muito barulho na mata, o que se propagava a longa distância. Os
terroristas haviam armado uma emboscada que teria sido o fim para nós. Mas
aquele companheiro, com o qual eu brigava tanto, pedindo que deixasse de fumar,
nos salvou. Ele, que assumira o comando da equipe, mandou parar, para dar uma
pitada. Isso, a uns 50 metros da emboscada. Paramos e ficou aquele silêncio. Eu
fui estendido no chão, dentro da rede, sangrando muito, quase desacordado. Os
terroristas, então, achando que havíamos pressentido a emboscada, fugiram -
aqueles valentes guerrilheiros ! Claro que eles teriam matado todos nós, não
tenham dúvida. Nós estávamos completamente sem atenção, pois a minha equipe
estava levando o seu comandante, quase morto, para o primeiro local onde o
socorro poderia alcançar. Na localidade de São José, pediram uma ambulância
para levar um ferido. De São José, a ambulância me levou para Bacaba, de lá
para Marabá e de Marabá para Belém, onde passei uns dias para me restabelecer e
ter condições de viajar. Depois fui levado para Brasília onde fui operado. A
operação se revestia de cuidados especiais, sob o risco de ficar paraplégico
para o resto de minha vida. Graças a Deus, as sequelas foram muito menores e
hoje eu estou falando aos senhores aqui, com muita honra. Encerrando, digo que
é muito difícil falar em conclusões de uma luta de 4 anos. Citarei apenas 2 dos
itens que alinhavei para as conclusões. Permitam-me que os leia e que recoloque
os óculos para isso. Primeira conclusão: tenho imenso orgulho de haver
participado dessa luta, por ter agido positivamente para evitar que os
guerrilheiros do PCdoB implantassem no País um regime comunista igual ao de
Cuba, com paredão e tudo - a propósito, esse risco não acabou, alerto. Segunda
conclusão: além de prestar homenagem às bravas esposas dos militares, tanto
daquela época quanto da atual, estendo aos membros da minha valorosa equipe a
honra de que estou sendo alvo presentemente.
(*)
Com a aprovação do autor, o discurso foi revisado, sem comprometimento de sua
essência, apenas para concatenar o texto narrativo, já que feito de improviso.
Blog do Magal VALE QUASE TUDO/montedo.com
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