A REFORMA DO JUDICIÁRIO E O
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Bruno Dantas
Consultor-geral do Senado e
Conselheiro Nacional do Ministério Público
A última década foi virtuosa para o Sistema de Justiça brasileiro. Inúmeros avanços vicejaram a partir da sociedade civil e sensibilizaram o Poder Legislativo, despertando em nosso povo a justa expectativa de que dias melhores viriam no campo da efetividade dos direitos. Novidades auspiciosas emergiram tanto no plano constitucional quanto no infraconstitucional. A Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional 45/2004) deflagrou o movimento irreversível de aperfeiçoamento das instituições e da legislação nacionais.
Os dados coletados e sistematizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deram substrato científico à percepção empírica de que a Justiça brasileira precisa melhorar, e muito. Necessita-se, sem dúvida, de mais recursos humanos e financeiros para o Poder Judiciário, mas não é só isso. O perfil das demandas que assoberbam nossos tribunais revela que sem soluções criativas e ousadas no plano normativo, precisaremos de um país de juízes para dar cabo da grandiosa missão de julgar 70 milhões de processos (com os respectivos embargos, agravos, apelações etc.) todos os anos.
Ciente desse desafio, o Presidente do Congresso Nacional, Senador José Sarney, em fins de 2009 (cinco anos depois de ter, ele próprio, promulgado a EC 45/2004), instituiu Comissão de Juristas destinada de elaborar Anteprojeto de Novo Código de Processo Civil, com a confessada missão de construir um sistema processual consentâneo com as necessidades do povo brasileiro, aderente aos direitos fundamentais assegurados pela Constituição, e garantidor da segurança jurídica e do nosso desenvolvimento econômico e social.
A Comissão, composta por 11 especialistas sob a liderança do Ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça, concluiu seus trabalhos no dia 1º de junho último, elaborando anteprojeto que, quando aprovado pelo Congresso Nacional, dará nova feição aos processos judiciais. Simplicidade, presteza e racionalidade serão as palavras-chave do Novo Código.
A Comissão entendeu que quanto mais complexo o sistema processual, maiores as chances de discussões laterais, que tergiversam sobre o essencial: dar resposta à pergunta “quem tem razão no litígio?”. Assim, a redução das solenidades e dos chamados incidentes processuais, ao eliminar expressiva quantidade de atos desnecessários praticados no processo, buscou dar cabo àquilo que o CNJ identificou como um dos maiores vilões do sistema judicial: os “prazos cartorários”, ou seja, o tempo que se leva para juntar petições, expedir ofícios e alvarás, publicar despachos etc.
Entendeu mais, a Comissão: é necessário que os tribunais, notadamente os superiores, exerçam efetivamente seu verdadeiro papel de nortear as decisões dos juízes inferiores, e a vida social. Para tanto, é necessário que haja estabilidade da jurisprudência, evitando-se idas e vindas que, por um lado, acarretam o descrédito do Poder Judiciário e, por outro, aguçam o ímpeto demandista e recursal das pessoas e das empresas, que enxergam na divergência jurisprudencial uma porta aberta para a prevalência de suas teses, ainda que pressintam não terem qualquer razão.
No plano da racionalidade, buscou-se dar concretude ao óbvio: assim como não se pode dar soluções de varejo a problemas de atacado, igualmente não é possível resolver individual e artesanalmente conflitos idênticos que se repetem em milhares ou milhões de ações levadas à Justiça. A saída foi a concepção de um procedimento especial de julgamento para os chamados casos repetitivos. Uma fórmula capaz de dar solução homogênea a todos os processos idênticos que tramitam no país, desafogando as varas e tribunais, o que permitirá que os juízes despendam seu tempo com casos que verdadeiramente requeiram um olhar mais específico.
O anteprojeto pretendeu o equilíbrio entre segurança e celeridade. Em nome desta, foram eliminados alguns recursos que já nem sequer contribuíam para aquela, como é o caso dos embargos infringentes. Apostou-se na conciliação como forma rápida e barata de solução de litígios e enrijeceram-se as sanções financeiras aos que optam pela aventura judicial simplesmente porque os juros no processo são mais baixos que os do banco. Essas, e muitas outras inovações, sem dúvida, têm o potencial de mudar a relação do cidadão com a Justiça.
A Reforma do Judiciário lançou a esperança em 2004. O anteprojeto de novo Código de Processo Civil, em 2010, materializa a compreensão de que soluções legislativas ousadas e criativas são indispensáveis para a continuidade dos avanços. Agora, caberá às duas Casas do Congresso Nacional avaliar o tamanho e o ritmo dos passos que o Brasil quer dar.
Dagmar de Sant’Anna
Advogada - Rio de Janeiro
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