POR JACIARA SANTOS
Qualquer que seja o desfecho do
julgamento dos vigilantes Josemar dos Santos e Jair Barbosa da Conceição, que
respondem pela morte do servidor da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) Neylton
Souto da Silveira, existem grandes possibilidades de a verdade continuar
oculta. A menos que os autos apresentem novidades ainda desconhecidas pelo
público, a peça processual nasce com defeitos de origem: a motivação do crime.
Inicialmente, o homicídio foi
classificado como crime de mando. Segundo esse raciocínio, os simplórios
seguranças teriam sido contratados para silenciar a vítima, que ameaçava
denunciar irregularidades no repasse de verbas do Sistema Único de Saúde a
clínicas e hospitais de Salvador. Os desvios seriam comandados pela SMS, órgão
em que a vítima trabalhava. Como, por tudo o que foi divulgado até o momento,
não há indicações de que Josemar e Jair detenham participação acionária em
estabelecimentos de saúde – e por isso não seriam parte interessada em uma
possível queima de arquivo – a quem estariam servindo quando executaram o
crime?
Também lá no começo do processo,
ainda em 2007, surgiram os nomes de duas supostas mandantes do crime: a médica
Aglaé Amaral Sousa, ex-subsecretária municipal de Saúde, e a consultora técnica
Tânia Maria Pimentel Pedroso, que prestava serviços à SMS. Ainda assim, o
enredo não fecha. No máximo, mesmo que houvessem intermediado o homicídio, as
suspeitas não seriam os únicos elos da corrente. Quando se trata do desvio de
dinheiro público, há sempre uma extensa teia de corruptos e corruptores. Por má
fé ou mera incompetência, a polícia não conseguiu estabelecer nexo entre os
réus e as suspeitas, levando o juiz da 1º Vara do Júri Moacyr Pitta Lima, a
impronunciá-las – no jargão jurídico significa que não irão a júri.
Vale lembrar que, durante as
apurações, houve uma tentativa de transformar o caso num crime de ódio. Certo
delegado da Policia Civil, hoje em cargo de destaque na instituição, chegou a
insinuar que a vítima teria envolvimento homossexual com os autores e essa
poderia ser a motivação do homicídio. Afora a circunstância de a vítima ter
sido encontrada semidespida, nada há nos autos consistente com essa hipótese,
que serviu apenas para desviar o foco das investigações.
Bom, restaram como indiciados os
vigilantes, que amargaram mais de cinco anos presos em regime fechado enquanto
aguardavam julgamento. Sem recursos financeiros nem notoriedade social para
fazer valer seus direitos constitucionais, mofaram na cadeia, sendo soltos no
ano passado quando a Justiça reconheceu “excesso de prazo de prisão sem
julgamento e falta de fundamentação na sentença”
A expectativa é de que o júri se
prolongue por dois dias, no mínimo. Leitura de peças processuais, seguida de
exposições performáticas de acusação e defesa, mais a oitiva de testemunhas
consomem um bocado de tempo. Só não dá para esperar surpresas quanto ao
veredito. Vai depender de quem se sair melhor no item emoção, na avaliação dos
jurados. Se o Ministério Público conseguir convencer o júri de que, sem mais o
que fazer, num enfadonho plantão de sábado, Jair e Josemar resolveram
brutalizar e matar o pacato Neylton – que fora chamado à secretaria para uma
reunião que nunca existiu – eles serão condenados por homicídio qualificado e
sentenciados à pena máxima. Mas, há sempre a possibilidade de a defesa tocar o
coração dos julgadores (e o criminalista Vivaldo Amaral, que defende Jair, tem
bom domínio de tribuna) e pode transformar suas alegações finais num libelo
contra a injustiça. Aí, bingo! De réus, os dois seguranças passarão a quase
santos.
De todo o modo, como Jair e Josemar
ficaram presos por mais de cinco anos, mesmo que sejam condenados, podem
recorrer da sentença em liberdade. Tudo depende do entendimento da Justiça
quanto ao excesso de prazo que cumpriram em regime de prisão preventiva. Quanto
ao cumprimento da justiça no que se refere à identificação e punição dos
culpados pelo crime…
O CRIME
Neylton Souto da Silveira, 48 anos,
foi morto em 6 de janeiro de 2007. O corpo foi encontrado no dia seguinte,
pela manhã, no pátio interno da Secretaria Municipal de Saúde no bairro do
Comércio. Funcionário concursado da Superintendência de Engenharia de Tráfego
(SET), hoje Transalvador, estava desde março de 2006 à disposição da SMS, onde
atuava no setor de gestão plena, seção responsável pelo Fundo Municipal de
Saúde e pelo pagamento de mais de 320 empresas prestadoras de
serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS), uma movimentação financeira em torno
de R$ 25 milhões mensais.
Ao sair de casa, no sábado, a vítima
disse que fora chamada para uma reunião na sede da secretaria. Ao ser
encontrado, no domingo pela manhã, o cadáver estava descalço e vestido apenas
de camisa e cueca.
Apresentava fraturas múltiplas e afundamento na parte de
trás da cabeça.
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