DNA DE NEGROS FAMOSOS RETRATA BRASIL MESTIÇO
Celebridades como Daiane dos Santos e Djavan têm boa porção de sangue não-africano.
Dados de nove personalidades são microcosmo da diversidade genética brasileira.
Reinaldo José LopesDo G1, em São Paulo
O que poderia ter sido apenas uma curiosidade - desvendar as origens genéticas de nove celebridades de origem negra - ajudou a confirmar que o DNA dos brasileiros guarda uma mistura ainda mais complexa do que a aparência física do nosso povo sugere. Segundo o geneticista Sergio Danilo Pena, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Laboratório Gene responsável pelos testes, os afro-brasileiros famosos se encaixam perfeitamente no que se vê entre pessoas comuns que se definem como negras.
"É incrível, mas os resultados que obtivemos nas nove pessoas estudadas são um microcosmo dos resultados de nosso estudo com indivíduos autoclassificados como pretos em São Paulo", contou Pena ao G1. O pesquisador da UFMG fez os testes a pedido da rede BBC Brasil.
O time de celebridades é integrado pelos cantores Milton Nascimento, Djavan, Seu Jorge e Sandra de Sá, pela ginasta Daiane dos Santos, pela atriz Ildi Silva, pelo puxador de samba Neguinho da Beija Flor, pelo jogador de futebol Obina e pelo religioso e ativista da causa negra Frei David Santos.
A BBC Brasil deve detalhar os resultados ao longo da semana. O primeiro, divulgado hoje, envolveu Daiane dos Santos e revelou que ela possui 39,7% de ancestralidade africana, 40,8% de ancestralidade européia e 19,6% de ancestralidade indígena. No entanto, Pena alerta que não se pode tomar literalmente demais o dado, por causa da margem de erro. Assim, não se pode dizer que Daiane seja geneticamente mais européia do que negra - a diferença entre as proporções não é estatisticamente significativa.
Não é a primeira vez que Pena investiga o perfil genômico de famosos. Em agosto do ano passado, o Fantástico exibiu testes com famosos como Ivete Sangalo (99,2% européia, 0,4% indígena e 0,4% africana), Marcos Palmeira (93% europeu, 5,5% indígena e o restante africano), Luiza Brunet (80% de ancestralidade européia, 15,5% de ancestralidade ameríndia e o restante africana) e Zeca Camargo (96,5% europeu, 2,6% indígena e apenas 0,9% africano).
A miscigenação acentuada, com proporções variáveis de contribuição genética de cada continente, também aparece nos estudos anteriores de Pena e seus colegas com populações do país. O mais significativo do ponto de vista histórico, no entanto, é a falta de equilíbrio entre a ascendência materna e a paterna das pessoas. Quase 90% dos famosos descendem de africanos pelo lado materno, mas só 44% deles têm a mesma ascendência pelo lado paterno.
"Isso reflete o fato de que, no Brasil, os relacionamentos entre pessoas de origem diferente eram sexualmente assimétricos", diz Pena. Trocando em miúdos: os brancos do sexo masculino tendiam a ter como parceiras mulheres negras ou indígenas, muitas vezes à força, mas o contrário - negros ou índios tendo filhos com brancas - quase nunca acontecia. Daí o desequilíbrio.
Do Oeste e de além
Os dados sobre os famosos são apenas uma pequena peça de um quebra-cabeças que está ficando mais claro graças a Pena e seus colegas, entre eles a geneticista Maria Cátira Bortolini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Nos últimos anos, eles têm mapeado a diversidade genética das populações africanas e brasileiras para entender melhor as origens dos negros do Brasil.
Três ferramentas principais são usadas para isso. A primeira é o DNA mitocondrial ou mtDNA, presente nas mitocôndrias, as usinas de energia das células. Ele só é passado de mãe para filho ou filha, e ajuda a estimar a ancestralidade materna da pessoa. A segunda é o cromossomo Y, a marca genética da masculinidade. Ele só é passado de pai para filho homem, fazendo, portanto, o serviço complementar ao mtDNA.
Os dois marcadores, no entanto, não perfazem um quadro integrado da herança genética de alguém. Assim, os pesquisadores estudam também vários trechos do DNA do núcleo da célula, que abriga tanto material de origem materna quanto paterna. Pena e seus colegas desenvolveram uma metodologia que envolve 40 regiões do DNA nuclear, que se distinguem por inserções (trechos a mais) ou deleções (trechos a menos) típicos. Elas têm uma correlação bastante boa com os continentes de origem da pessoa, permitindo fazer a estimativa de porcentagem, como a divulgada para Daiane dos Santos.
Os pesquisadores brasileiros descobriram recentemente que talvez seja preciso reescrever as origens presumidas para os afro-brasileiros. Até então, acreditava-se que uns 70% dos escravos brasileiros tivessem vindo de Angola, no Centro-Oeste da África, quase 20% do sudeste do continente (Moçambique e regiões vizinhas) e só uns 10% da África Ocidental (Nigéria e países adjacentes). O DNA dos negros paulistas, porém, indica que essa contribuição do oeste do continente pode ter sido entre duas e quatro vezes maior do que se acreditava.
Para Pena, a explicação mais provável é que os negros paulistas tenham recebido a contribuição de ancestrais de origem nigeriana vindos da Bahia, onde a maior parte dos escravos da África Ocidental desembarcara. Isso teria ocorrido no século 19, com o auge do ciclo do café, quando os paulistas compravam escravos da decadente economia nordestina e até recebiam negros alforriados em busca de emprego.
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