sábado, 25 de junho de 2011

INQUÉRITO 2280 NO STF/Inquérito nº 2245 - MENSALÃO - D E N Ú N C I A - MIN JOAQUIM BARBOSA


(...)
O Banco foi um dos precursores na exploração do crédito consignado no país,
tanto de funcionários públicos quanto de aposentados do INSS. ...Neste sentido, o BMG
já disponibilizava fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC’C) desde 2003, e
já havia firmado em, 27/10/2004, acordo de cessão de créditos com coobrigação, de
até R$100 milhões por mês, pelo prazo de cinco anos, com a Cetelem Brasil S/A CFI.
(...)
Comparativamente à data-base da última inspeção direta (fev/2003), a Carteira
de Crédito do Banco BMG cresceu 142,2%, impulsionada pelo aumento dos
empréstimos consignados, que passaram de R$589 milhões para R$894,2 milhões...”
Denúncia no Inquérito nº 2245 22
Roberto Jefferson, com o conhecimento de quem vendia
apoio político à organização delitiva ora denunciada, em todos os depoimentos
prestados, apontou José Dirceu como o criador do esquema do "mensalão".
Segundo ele, José Dirceu reunia-se com o principal
operador do esquema, Marcos Valério, para tratar dos repasses de dinheiro e
acordos políticos ou, quando não se encontrava presente, era previamente
consultado por José Genoíno, Delúbio Soares ou Sílvio Pereira sobre as
deliberações estabelecidas nesses encontros18.
Em relação ao desvio de dinheiro público a partir de
nomeações direcionadas por parlamentares da chamada "base aliada", Roberto
Jefferson, sem qualquer pudor, informou detalhes sobre os mecanismos
internos do poder existentes, centralizados na pessoa e cargo do ex Chefe da
Casa Civil, cuja função era a estruturação, organização administrativa e
operacional de um grandioso esquema de compra de apoio político19.
Ao discorrer sobre o motivo principal da troca de apoio
pela indicação no preenchimento de cargos e funções públicas, Roberto
Jefferson, didaticamente, explicou que as Diretorias e outros cargos relevantes
na administração pública, resultantes da composição político-partidária, têm a
função de arrecadar dinheiro do próprio órgão público, pela sistemática do
desvio e superfaturamento, e também de pressionar empresas privadas que se
relacionam com esses órgãos a fazer “doações”20.
18 Vide, entre outros, depoimento de Roberto Jefferson (fls. 4219/4227, especialmente:
”QUE JOSÉ GENOÍNO n]ão possuía autonomia para “bater o martelo” nos acordos, que
deveriam ser ratificados na Casa Civil pelo Ministro JOSÉ DIRCEU.” ).
19 "E eu disse ao Ministro José Dirceu, numa dessas conversas que não são
republicanas... que isso era um oferecimento feito pela Presidente Lula. Ele disse: 'Eu
vou acionar o Delúbio e o Dimas vai procurar você. E me procurou. No dia 13, na
madrugada do dia 14, a uma hora da manhã, ele chegou a minha casa e conversou
comigo como funcionava o esquema de Furnas. Explicou-me o seguinte: que Furnas
deixa, sem problema, R$3 milhões por mês, a Diretoria dele. E que ele fazia os
seguintes repasses: R$1 milhão para o Sr. Delúbio, PT Nacional; R$1 milhão para o Dr.
Rodrigo, PT de Minas Gerais; R$500 mil para o Dr. Cury, para uma diretoria de um
grupo de Deputados que havia constituído esse diretor no princípio do Governo com o
Ministro José Dirceu; e 500 mil ficavam na diretoria. Voltei ao Ministro José Dirceu,
relatei essa conversa e ele falou: 'Então nós nos acertamos por cima, sem problema. Eu
falei: Eu não sou problema para você. Preciso de financiamento para o PTB, o que a
gente acertar está acertado...Essa operação inteira de Furnas foi tratada com José
Dirceu, até os números".
20 “V. Exª quer me perguntar se esses cargos ajudam ao financiamento dos Partidos. É
isso? Ajudam. E vou explicar a V. Exª como, a regra que eu tenho no PTB. Primeiro, a
Denúncia no Inquérito nº 2245 23
Roberto Jefferson afirmou que todas as tratativas sobre a
composição política, indicação de cargos, mudança de partidos por
parlamentares para compor a base aliada em troca de dinheiro e compra de
apoio político foram tratadas diretamente com o ex Ministro Chefe da Casa
Civil, José Dirceu. Tratavam, inclusive, sobre o “mensalão”, matéria que foi
objeto de conversa entre ambos em cinco ou seis oportunidades21.
José Dirceu comandava relevantes questões da
administração pública federal que atraíam interesses de empresários e
parlamentares, tanto que os dirigentes do Banco Rural e do Banco BMG, por
intermédio de Marcos Valério, marcaram reuniões e se encontraram com o
Ministro para discutirem assuntos empresariais de seu interesse22.
José Dirceu comandava a indicação para o
preenchimento de cargos na administração pública federal, contando com o
assessoramento de Sílvio Pereira, como representante do PT, Marcelo Sereno e
de Sandra Cabral, ambos Assessores Especiais da Casa Civil que tinham a
função de acompanhar essas nomeações23.
empresa pública. Disse isso sempre aos meus companheiros diretores. Segundo, o
interesse da empresa privada que se relaciona; se é passível, na relação, a empresa
privada ajudar por dentro, no caixa, o Partido, fazendo doações. É assim que funciona
há anos, sempre foi assim.
Por que os Partidos buscam nomear os cargos de Governo? Para ter um
homem numa área importante de decisão, que estabeleça uma relação com as
empresas privadas que gravitam em torno dessa área para, na seleção de algumas –
isso respeitando parâmetros éticos - , pedir àquele empresário que possa contribuir
com o caixa do Partido que representa aquela pessoa. É assim que funciona.”.
21 “Tudo o que tratei, tratei com José Dirceu, tudo o que conversei, até de negócios, de
política, de campanha eleitora, R$20 milhões...”. Mais adiante, questionado sobre se
havia noticiado o ‘mensalão’ para o então Ministro José Dirceu, respondeu: ‘ Várias
vezes, várias vezes, várias vezes. Falei com o Zé Dirceu seis ou oito vezes sobre o
‘mensalão’.”(RELATÓRIO PARCIAL DAS CPMIs DOS CORREIOS E COMPRA DE
VOTOS, fl. 49).
22 Vide, entre outros, os depoimentos de Marcos Valério de Souza (fls. 355/360),
Cristiano de Melo Paz (fls. 2253/2256), José Dirceu de Oliveira (fls. 3552/3556), Kátia
Rabello no Conselho de Ética dias 13 e 22/09/05 e Ricardo Guimarães, Diretor do
BMG, na CPMI no dia 20/09/2005. Vide, também, depoimento de Kátia Rabello (fls.
4364/4373, especialmente: “QUE em agosto de 2004 MARCOS VALÉRIO informou a
declarante que o Ministro JOSÉ DIRCEU estaria em Belo Horiznte/MG em uma visita
oficial, tendo sugerido que o convidasse para um jantar; QUE MARCOS VALÉRIO
afirmou que JOSÉ DIRCEU aceitaria tal convite; (...) QUE de fato foi marcado o jantar no
HOTEL OURO MINAS no dia 06 de agosto de 2004, do qual participaram a declarante, o
Ministro JOSÉ DIRCEU e seu assessor PLAUTO.”).
23 Vide, entre outros, depoimento de Marcelo Sereno (fls. 4233/4234, especialmente:
“QUE o ministro, além, de cuidar dos assuntos referentes a sua pasta, tinha também a
responsabilidade de coordenação política do Governo do Presidente Lula.”).
Denúncia no Inquérito nº 2245 24
Sandra Cabral era a pessoa que também recebia Marcos
Valério nas ocasiões em que comparecia à Casa Civil, descritas por ambos,
Marcos Valério e Sandra, como meras visitas de cortesia24.
Aliás, a tônica neste processo é o fato de Marcos Valério,
durante o período investigado, freqüentar, com bastante assiduidade, o
Congresso Nacional, o Palácio do Planalto, Ministérios e empresas públicas na
capital federal. Quando questionadas durante as investigações, as autoridades
visitadas justificavam que o recebiam para discussão de assuntos prosaicos,
tais como o cenário político nacional.
Marcos Valério encontrava-se freqüentemente com todos
os envolvidos no esquema, sejam os integrantes da quadrilha, sejam os
beneficiários do dinheiro repassado pelo seu grupo empresarial, nos próprios
gabinetes dessas autoridades, na sede nacional do PT, em halls e quartos de
hotéis e outros locais.
Relevante para caracterizar esse relacionamento, além
dos depoimentos do próprio Marcos Valério e de todos os envolvidos no
esquema, a agenda de compromissos desse publicitário, que ficava em posse
da sua ex secretária Fernanda Karina, e que retrata, com detalhes, as viagens
e reuniões de Marcos Valério e seus sócios Ramon, Cristiano e Rogério com as
pessoas envolvidas e/ou beneficiárias dos recursos25.
Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, dirigentes
do Partido dos Trabalhadores, atuavam no esquema como se fossem
representantes do Governo. Sílvio Pereira, em diversos depoimentos, foi
apontado como um dos responsáveis pelas indicações para o preenchimento
de cargos e funções públicas no Governo Federal, fato pelo mesmo confirmado
(fls. 251/255). Ou seja, não obstante tratar-se apenas de um integrante da
cúpula do Partido dos Trabalhadores, Secretário do Partido, atuava nos
24 Vide, entre outros, os depoimentos de Sílvio José Pereira (fls. 251/255), Sandra
Rodrigues Cabral (fls. 1281/1286), ex Deputado Federal Pedro da Silva Corrêa (fls.
1992/1995), José Luiz Moura (fls. 2076/2079 e 2156/2157) e o ex Deputado Federal
José Rodrigues Borba (fls. ).
25 Vide: cópia de folhas da agenda entregue por Fernanda Karina Somaggio (fls. 03/08)
e o “Termo de Análise de Dados” (fls. 1071/1082).
Denúncia no Inquérito nº 2245 25
bastidores do Governo, negociando as indicações políticas espúrias que, em
última análise, proporcionavam o desvio de recursos em prol de
parlamentares, partidos políticos e particulares26.
José Genoíno, como Presidente do Partido dos
Trabalhadores, participou dos encontros e reuniões com os dirigentes dos
demais Partidos envolvidos, onde ficou estabelecido o esquema de pagamento
de dinheiro em troca de apoio político, operacionalizado por Delúbio Soares,
Marcos Valério, Cristiano, Ramon, Rogério, Simone e Geiza27.
Com a base probatória colhida, pode-se afirmar que José
Genoíno, até pelo cargo partidário ocupado, era o interlocutor político visível
da organização criminosa, contando com o auxílio direto de Sílvio Pereira, cuja
função primordial na quadrilha era tratar de cargos a serem ocupados no
Governo Federal. Delúbio Soares, por sua vez, era o principal elo com as
demais ramificações operacionais da quadrilha (Marcos Valério e Rural)28,
repassando as decisões adotadas pelo núcleo central29. Tudo sob as ordens do
denunciado José Dirceu, que tinha o domínio funcional de todos os crimes
perpetrados, caracterizando-se, em arremate, como o chefe do organograma
delituoso.
26 Vide, entre outros, depoimento de Valdemar Costa Neto (fls. 1376/1385).
27 Vide, entre outros, depoimento do Deputado Federal José Mohamede Janene (fls.
1702/1708), do Deputado Federal Pedro da Silva Corrêa (fls. 1992/1995), do
Deputado Federal Vadão Gomes (fls. 1718/1722) e José Genoíno (fls. 4210/4214,
especialmente: “QUE da mesma maneira, expressou que iria se ocupar da
representação política do partido com as seguintes tarefas: (...) 4) articulação das
alianças políticas; (...) QUE indagado a respeito da ocorrência de reuniões entre as
cúpulas do PT, PP e PL, para alianças políticas, esclarece o seguinte: QUE confirma que
participou de reuniões com os presidentes destes partidos.”).
28 Principal, pois as provas demonstram uma série de relações dos outros membros do
núcleo central com as demais ramificações.
29 Vide, entre outros, os depoimentos de Pedro Raphael (fls. 1340/1343),
especialmente: “QUE logo em seguida, JOSÉ GENOÍNO NETO, presidente do Diretório
Nacional do Partido dos Trabalhadores, combinou com o DEPOENTE que o secretário de
finanças, Sr. DELÚBIO SOARES, entraria em contato com o escritório de advocacia para
acertar detalhes acerca do pagamento dos honorários, até então em aberto; (..) QUE
DELÚBIO SOARES informou ao DECLARANTE que uma pessoa indicada por ele entraria
em contato para efetuar os pagamentos, sem ter esclarecido a forma de pagamento;
QUE SIMONE VASCONCELOS ligou para o DECLARANTE, se apresentando como
representante de DELÚBIO SOARES...”) e Roberto Jefferson (fls. 4219/4227,
especialmente: “QUE então ligou para JOSÉ GENOÍNO afirmando que achava que
MARCOS VALÉRIO era um “visionário maluco”; QUE JOSÉ GENOÍNIO respondeu que o
DECLARANTE poderia acreditar, pois MARCOS VALÉRIO era “firme”.”).
Denúncia no Inquérito nº 2245 26
José Genoíno e Delúbio Soares apareceram formalmente
na simulação de empréstimos de vultosas quantias pelo núcleo de Marcos
Valério ou pelo próprio PT junto aos Bancos Rural e BMG, comprometendo-se
como avalistas dessas negociações. Apesar de possuírem um ínfimo
patrimônio declarado ao órgão fiscal, apresentaram garantia pessoal dos
vultosos valores repassados por Marcos Valério, sócios e empresas ao PT,
originários de suas contas nos Bancos Rural e BMG.
Segundo informado por Marcos Valério, e confirmado por
Delúbio Soares, o dinheiro utilizado nas operações de lavagem descritas nessa
denúncia teve como uma das suas fontes as seguintes operações estabelecidas
entre o núcleo financeiro-publicitário e o núcleo político-partidatário: BMG -
R$ 12.000.000.00 (25/02/03 – em nome da SMP&B); R$ 3.516.080,56
(14/07/04 – em nome da SMP&B); R$ 15.728.300,00 (28/01/04 – em nome
de GRAFFITI); R$ 10.000.000,00 (26/04/04 – em nome da ROGÉRIO
TOLENTINO); RURAL – R$ 18.929.111,00 (26/05/03 – em nome da SMP&B);
e R$ 9.975.400,00 (12/09/03 – em nome da GRAFFITI), totalizando a quantia
de R$55.217.271,02 (fls. 602)30.
Conforme anteriormente assinalado, os elementos de
convicção obtidos comprovam que esses empréstimos não seriam sequer
efetivamente quitados. Tanto o grupo ligado a Marcos Valério quanto as
instituições financeiras apenas ingressaram no esquema, pois tiveram a prévia
concordância do Ministro Chefe da Casa Civil e a garantia da inexistência de
controle sobre suas atividades ilícitas e de benefícios econômicos diretos e
indiretos31.
Delúbio Soares tinha a função de operacionalizar,
juntamente com Marcos Valério, o esquema de repasse de dinheiro em nome
do Partido dos Trabalhadores, uma vez que era o Tesoureiro do Partido,
atividade pelo mesmo nominada como Secretário de Finanças e Planejamento
do Partido dos Trabalhadores.
30 Vide, entre outros, depoimentos de Delúbio Soares (fls. 245/250 e 3636/3639)
31 Vide, entre outros, depoimentos de Marcos Valério (fls. 51/62; 355/360;
727/735; 1454/1465).
Denúncia no Inquérito nº 2245 27
Marcos Valério o aponta como seu principal interlocutor
em Brasília e amigo pessoal, com quem, além de se reunir freqüentemente,
mantinha contatos telefônicos semanalmente. Eram constantes as reuniões no
Diretório do PT em Brasília entre Marcos Valério, Delúbio Soares e Sílvio
Pereira, além de encontros no hall do hotel Blue Tree em Brasília, onde Marcos
Valério passou a se hospedar para facilitar os contatos (fls. 56/57).
Esse relacionamento intenso, surgido a partir daquele
primeiro encontro no final do ano de 2002, quando se iniciou a execução do
esquema de transferência ilícita de recursos, foi confirmado, em todos os seus
termos, por Delúbio Soares já no seu primeiro depoimento prestado na Polícia
Federal32.
Não obstante negar a existência de qualquer
relacionamento com o ex Ministro José Dirceu, Marcos Valério afirma que
esteve na Casa Civil aproximadamente em quatro ocasiões e que a finalidade
de suas visitas a esse órgão era a de se encontrar com a Sra. Sandra Cabral,
secretária de José Dirceu, para tratar da candidatura de Delúbio Soares.
Também confirma, em depoimento prestado na Procuradoria-Geral da
República nos dias 14/07/05 e 02/08/05, que o então Ministro José Dirceu e
o Secretário Sílvio Pereira tinham conhecimento das operações financeiras
estabelecidas com Delúbio Soares33.
Marcos Valério também confirmou que se valeu da sua
influência junto aos Bancos Rural e BMG para solucionar problema
enfrentado pela ex esposa do então Ministro José Dirceu, que pretendia vender
o seu imóvel, obter um empréstimo e arrumar um emprego. Marcos Valério e
Rogério Tolentino resolveram todas as três pendências acima, o que evidencia
a troca de favores no esquema. O Diretor do Banco BMG ouvido pela CPMI no
32"QUE já se encontrou com MARCOS VALÉRIO em hotéis nas cidades de São Paulo/SP,
Belo Horizonte/MG e Brasília/DF; QUE em Brasília costuma ficar hospedado no hotel
BLUE TREE, já tendo se encontrado com MARCOS VALÉRIO nas dependências deste;
QUE não tem idéia de quantas vezes já se encontrou com MARCOS VALÉRIO no BLUE
TREE em Brasília... QUE já se reuniu com MARCOS VALÉRIO em quartos de
hotéis, tanto em Brasília quanto em São Paulo...QUE falava com MARCOS
VALÉRIO uma ou duas vezes por semana, sempre para tratar de assuntos
relacionados a política e conversas entre amigos..." (Depoimento de Delúbio
Soares em 08.07.05 - fls. 245/250;
33 Vide, entre outros, depoimentos de Marcos Valério (fls. 355/360; 727/735;
1454/1465).

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