sábado, 25 de junho de 2011

VENDETTA DE VINGANÇA - V DE VINGANÇA


V de Vingança
(V for Vendetta) EUA, 2005. Direção: James McTeigue. Elenco: Natalie Portman, Hugo Weaving, Stephen Rea. Duração: 132 min.

1 – Resumo do Filme

O filme V de Vingança tem como palco a Inglaterra de meados do século XXI. À época, o mundo vivia uma crise sem proporções. Os Estados Unidos da América, antiga potência dominante, havia entrado em franca decadência. Peste, guerra, fome, terror, enfim, o caos, tomava conta do planeta. 
A Inglaterra era uma exceção a essa regra. Assolada por todos esses problemas, mas em especial pela propagação de um vírus mortal, o país aceita se submeter ao controle de um governo forte, que busca manter a ordem unicamente através da opressão.
Surge então, é claro, uma oposição, liderada pelo revolucionário V. V consegue apoio da jovem Evy e, juntos, os dois lideram o povo inglês em uma jornada em busca da verdade, resgatando os valores que estavam ocultos atrás da ideologia imposta pelo Estado. 
2 – Análise do Filme
A Inglaterra passava por um momento de profunda crise. Guerra, terror, doenças, problemas sociais e econômicos. Qualquer semelhança com situação da Alemanha pós Primeira Guerra Mundial não é mera coincidência. Da mesma forma, não é coincidência as semelhanças existentes entre os regimes que instalaram nesses países. 
A crise inglesa retratada no filme fez com que os cidadãos fossem tomados pelo medo. Medo de perder todas as coisas pelas quais as suas gerações vinham lutando para manter. Foi esse sentimento de conservadorismo que possibilitou a subida ao poder de um ditador, que recebeu a alcunha de chanceler, que centralizava em si todos os poderes do Estado (legislativo, executivo e judiciário). 
O chanceler estabelecia quais seriam as condutas entendidas como crime dentro da sociedade. Esse mesmo chanceler organizava as políticas públicas de combate à criminalidade. Por fim, era o próprio ditador quem decidia, em um julgamento sumário, se o cidadão era inocente ou culpado, e qual seria a sua pena. 

A ideologia pregada pelo Estado para justificar a centralização do poder nas mãos do chanceler era simples. O mundo estava pagando pelos seus pecados. Anos e anos de desvios de comportamento, como o homossexualismo, o sexo sem compromisso, uso de drogas e consumo de bebidas alcoólicas, tudo isso havia atraído a ira de Deus contra os homens. Mas não contra os ingleses. Os ingleses eram o povo escolhido pelas forças divinas. O povo que havia conseguido superar a peste, o terror, a morte e a guerra. Tudo isso graças aos poderes ilimitados que haviam sido conferidos ao chanceler. Um homem que, assim, como seu povo, havia sido escolhido por Deus, e que estava destinado a guiar os rumos do povo inglês. 
A ideologia, em suma, era essa. Mas outras táticas utilizadas por Hitler também foram adotadas. Um exemplo delas é a simplificação do mundo. Existem apenas dois extremos. O bem e o mal. Os Estados Unidos, o terrorismo, o homossexualismo, são todos exemplos do mal. E o bem é o cidadão que trabalha duro, vai para casa, e não contesta a atuação do Estado. 
Outro exemplo é a nomeação. O agrupamento de diversos seres humanos, cada um com as suas particularidades, sob a mesma alcunha, fomenta o preconceito e torna mais fácil o controle da população a partir de uma ideologia frágil, porém, eficiente. Assim, muçulmanos, imigrantes e homossexuais se tornavam o principal foco de ataque do Estado. 
A ofensiva contra o inimigo comum era realizada principalmente através de uma mídia inteiramente controlada pelo partido conservador, que estava no poder. A liberdade de expressão, de informação e de imprensa, considerados como direitos fundamentais em diversos países do mundo atualmente, estavam muito distantes da realidade inglesa. 
Como se vê, a ideologia pregada pelo chanceler era bastante simples. Inclusive, essa foi exatamente a causa do seu sucesso. Afinal, a situação caótica da Inglaterra favorecia a proliferação e aceitação de idéias simplistas, alinhadas através de um discurso extremamente atraente. 
Todavia, vale lembrar ainda uma outra semelhança. O regime social fascista era apoiado pelo grande capital. Tal apoio tinha várias razões, dentre as quais podemos destacar a ameaça de expansão do regime socialista. Da mesma forma, o Estado ditatorial inglês relatado no filme também tinha apoio do grande capital. Por trás da formação daquele regime estavam interesses econômicos, em particular os da indústria farmacêutica. Ou seja, a ideologia estatal acabava por esconder por trás de si o interesse do grande capital.

O Estado inglês do filme tinha um caráter essencialmente repressor. Não se via nenhuma preocupação com a garantia dos direitos individuais dos cidadãos. Tampouco eram mencionados direitos políticos, sociais ou econômicos. O resultado disso era uma criminalidade intensa, que fazia com que a função do Estado se transformasse em uma mera atuação policial sobre o comportamento da população. 

Ressalte-se que a repressão imposta sobre a população tinha apenas uma explicação: havia uma imensa tensão social imersa no seio da população inglesa. Tanto é que bastou que o revolucionário V agisse para que as pessoas passassem a encarar novamente a realidade com olhos de estranheza. Bastou uma faísca para que os ânimos se exaltassem e a vontade de mudança vencesse o medo de mudança. 
Quanto às influências políticas manifestadas por V, trata-se de uma questão de difícil definição. Parece, entretanto, que o mesmo tem algumas influências anarquistas. Afinal, o revolucionário V se propunha unicamente a destruir a ordem estatal dominante. Não pregava a reconstrução de uma Inglaterra sob os pilares do liberalismo, do socialismo ou de nenhum outro sistema. O Estado, instituído daquela forma, era um mal que deveria ser extirpado.
Por outro lado, existem alguns pontos da doutrina anarquista que não podem ser identificados na personalidade de V. Isso porque V, apesar de buscar destruir aquele Estado inglês, não afirma em momento algum se o Estado poderia ser reconstruído sob outros moldes, como, por exemplo, a partir da instalação de uma democracia representativa. Logo, não se pode afirmar com certeza se V era ou não um anarquista.

Interessante notar que a posição do observador influencia a análise que se faz acerca do objeto por ele estudado. V, por exemplo, na visão do chanceler, era um terrorista, um agitador, uma pessoa que não aceitava se submeter à ordem imposta pelo Estado. V era uma ameaça, um mal a ser neutralizado por se opor ao bem representado pelo Estado.
No entanto, na concepção da população inglesa, V era um revolucionário. Um homem que estava agindo altruisticamente, se colocando em risco com o objetivo de abrir os olhos dos ingleses para a realidade que lhes era imposta. 

3 – Conclusão
O filme V de Vingança é uma obra marcante. Marcante porque mostra às novas gerações que os erros cometidos em um passado não tão distante continuam passíveis de ocorrer. Logo, funciona como um alerta contra posições maniqueístas, contra soluções fáceis para problemas que merecem uma melhor reflexão.

As relações sociais estão se tornando cada vez mais complexas. A virada neoliberal (conservadora) iniciada há mais de duas décadas fez com que a concentração de capital atingisse níveis nunca antes vistos na história da humanidade. Por outro lado, as desigualdades sociais atingem níveis alarmantes. Somando isso à existência comprovada de crises cíclicas dentro do capitalismo, a porta fica aberta para que idéias e soluções fáceis, inseridas dentro de um discurso atraente, levem a humanidade a repetir seus erros. 

Mas o filme vem trazer a sua mensagem. O alerta está dado.

O filme V de vingança é baseado numa história em quadrinhos que critica os regimes totalitaristas. Temas como a liberdade, o moralismo e o autoritarismo são discutidos junto com questões como identificação, massificação e violência. Num todo, é uma obra prima. Porque então alguns anarquistas se revoltaram quando Hollywood fez a versão cinematográfica de V de vingança? É fato que muita coisa foi amenizada, mas o fato da obra não estar completa não é motivo para quebrar um cinema. Pelo menos parte da mensagem estava ali, já não está valendo? Pelo menos é isso que somos levados a pensar, mas quando pensamos: porque afinal Hollywood iria fazer um filme assim? E quando vemos os produtos relacionados ao filme sendo vendidos pela Internet, começamos a desconfiar...
Esta é a descrição do produto “Máscara de V de vingança”, no site da Amazon: “Vá em frente e sorria para a câmera. Divirta todos que você encontrar com essa máscara do V de vingança. A máscara é exatamente igual àquela usada por V no filme de ação, V de vingança. A máscara é feita de plástico e vem num tamanho padrão. Por favor, note que não inclui chapéu e cabelo. A máscara tem um bigode e um cavanhaque que lembra o histórico Guy Fawkes. Vá em frente, use essa máscara e lidere a revolução, mas, por favor, não acabe na cadeia. As pessoas não deveriam temer seus governos. Os governos deveriam temer as pessoas! Imagine-se numa distopia, onde o governo controla cada movimento seu. Toda esperança estava perdida, no entanto uma pessoa, um homem, ousou se levantar e liderar uma revolução inteira sozinho. Seu nome era V, sempre se lembre, lembre-se do cinco de novembro!”
Ao ver uma idéia anarquista sendo vendida, sendo assimilada pelo capitalismo, eu finalmente entendi o que levou aqueles anarquistas a quebrarem o cinema. As pessoas estão se revoltando contra a cultura, e ao mesmo tempo a indústria cultural busca aliviar essa sensação vendendo fantasias de revolta. Criando um mundo imaginário onde você pode se revoltar, contanto que pague por isso, e assim desviando a revolta que de outra forma atingiria o mundo real. Nos revoltamos por não podermos mais nos revoltar. A sociedade usa esse artifício para manter suas contradições livres do questionamento. Isso é uma violência, não importa o quanto reprimamos isso, eventualmente ela vai se manifestar. Não importa quantas válvulas de escape sejamos capazes de construir. Quando se manifestar, podemos acabar no outro extremo, o que será ruim. Mas é a natureza humana. Quanto mais a negarmos, mas violentamente ela irá reagir. Essa é a contradição do discurso pacifista, pois não é possível ignorar a violência que já sofremos, não é possível esquecer o passado e lidar com tudo racionalmente a partir de agora. Seria ideal, mas é irreal. Por mais que você seja contra o dano à propriedade, não é possível ignorar essa reação. Você comeu comida estragada e não quer vomitar no seu terno novo, mas não vomitar não é uma opção. Segurar esse tipo de reação só vai piorar as coisas, então o negócio é saber lidar com elas.
O próprio ato de quebrar o cinema pode ser encarado como uma distração. Mais uma válvula de escape. Como de costume, não há um manual sobre o que fazer. O que podemos é identificar o que não funciona. O problema não é o fato de termos reguladores, afinal reguladores são necessários para manter um sistema em homeostase, mas sim que temos uma pseudo-regulação. Ela não expulsa a pressão, ela a acumula em outro lugar. A nossa autonomia vai sendo substituída por coisas que no fundo não a podem substituir, e o homem se sente cada vez mais carente de coisas que ele cada vez menos pode definir, porque a carência vai sendo transferida de um lado para o outro. No final ela atinge todos os aspectos do seu ser e ele se sente carente de si mesmo, sente que sua realização enquanto ser humano é impossível. Isso porque a autonomia é o princípio da vida, sem ela ninguém pode dizer que está vivo, sem ela somos meros objetos. É esse tipo de violência que a cultura comete, ela nos tira a possibilidade de estar vivo, mas não nos mata. Isso é pior que morrer. E a cultura espera que sejamos pacíficos e discutamos racionalmente sobre isso? Desculpe, mas objetos falando de liberdade não nos interessam, porque objetos não podem ser livres. O que nos interessa é resgatar nossa capacidade de ser mais que um objeto, e se essa cultura impede isso, então ela deve mudar. O que quer que ela tenha produzido que não puder ser aproveitado por seres humanos autônomos vai perder seu valor, isso inclui propriedades. A manutenção dessas existências não justifica a impossibilidade da vida humana.
E se pessoas se tornam objetos e passam a pertencer à cultura tanto quanto as outras propriedades, podem ser assassinadas? Eu não defenderia essa interpretação, porque acredito que as pessoas, por mais que reprimam isso, sempre vão buscar autonomia. Nunca serão objetos por escolha, portanto nada justifica que eu os mate por se comportarem como objetos. Os assassinatos que V cometeu eram uma vingança pessoal. Apenas ele podia se vingar dessa forma, e não sem dar a própria vida em troca. Ele aproveitou a sua vingança pessoal para lutar por algo mais que pessoal, e não o contrário. Nós sofremos a violência da cultura, mas todos sofrem. Não podemos fazer vingança contra um homem por um ato da cultura, e de nada adiantaria, pois simplesmente seriam substituídos. V se encontrava numa posição especial, foi torturado até perder a identidade. Sua vingança se tornou sua identidade, a única coisa que dava sentido à sua vida. Mas sua vida perderia o sentido depois que a vingança fosse realizada, por isso ele transformou um ato pessoal numa manifestação que fizesse sentido a todas as pessoas. Todas elas puderam se identificar entre si no fato terem suas vidas impossibilitadas pela cultura.
V nos lembra da impossibilidade de se viver numa cultura de domínio, esta é sua verdadeira obra, e não matar tiranos ou explodir o parlamento. Sabemos que essas ações por si só seriam inúteis. Com base nisso, podemos dizer se quebrar o cinema foi um mero ato de vandalismo ou um ato de “legítima revolta” em resposta à violência que foi cometida: tentar transformar uma boa mensagem sobre o totalitarismo num produto vendável que banaliza um questionamento sério, que transforma a realidade numa ficção. Que diz, em outras palavras: “Anarquismo é divertido, porque tem explosões e lutas, mas é só de mentirinha”. É triste ver as pessoas saírem do cinema “de alma lavada”, pois enquanto lavamos nossa alma com alvejante, nossa autonomia está sendo jogada no lixo.

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