Denúncia no Inquérito nº 2245 28
dia 20/09/2006, Ricardo Guimarães, confirmou que, a pedido de Marcos
Valério, a ex esposa de José Dirceu, Sra. Maria Ângela Saragoza, foi
contratada em novembro de 2003 pelo Banco BMG34.
Merece destaque, para o completo entendimento de todos
os mecanismos de funcionamento do esquema, a relevância do papel
desempenhado por José Dirceu no Governo Federal. De fato, conforme foi
sistematicamente noticiado pela imprensa após o início do Governo atual, José
Dirceu inegavelmente era a segunda pessoa mais poderosa do Estado
brasileiro, estando abaixo apenas do Presidente da República.
Assim, a atuação voluntária e consciente do ex Ministro
José Dirceu no esquema garantiu às instituições financeiras, empresas
privadas e terceiros envolvidos que nada lhes aconteceria, como de fato não
aconteceu até a eclosão do escândalo, e também que seriam beneficiados pelo
Governo Federal em assuntos de seu interesse econômico, como de fato
ocorreu.
Se por um lado integrantes da cúpula do Governo Federal
e do PT dispuseram-se a estruturar uma forma de financiamento do próprio
partido e dos seus aliados, formando-se, à custa do dinheiro público, uma
sólida base governista capaz de garantir a continuidade no poder desse grupo,
por outro, nos termos confessados pelo próprio Marcos Valério, este e os seus
sócios aproximaram-se dos dirigentes do PT, notadamente Delúbio Soares,
com a finalidade de oferecer as suas empresas como mecanismo operacional
desse esquema, já contando com o apoio dos Bancos Rural e BMG também
interessados em se beneficiar em deliberações governamentais, os quais
mantinham, principalmente o Rural, atividades financeiras suspeitas com o
grupo de Marcos Valério.
34 “Que, indagado sobre o empréstimo à ex esposa do ex Ministro José Dirceu,
chamada Ângela, o depoente confirmou que efetivamente houve o empréstimo do
Banco Rural e a colocação com emprego no Banco BMG; Que, o declarante foi
procurado por Sílvio Pereira para auxiliar o ex Ministro José Dirceu na resolução de
um problema pessoal com sua ex esposa, que pretendia trocar de apartamento e não
tinha recursos financeiros; Que, desta forma, foi conseguido o empréstimo e o
emprego já mencionados e também o sócio do declarante, Rogério Tolentino, para
resolver o problema já que o crédito imobiliário dependia do pagamento de recursos
em dinheiro, comprou o apartamento da Sra. Ângela, pagou à vista e declarou a
aquisição no seu imposto de renda...”.
Denúncia no Inquérito nº 2245 29
Sobre o início desse relacionamento, Delúbio Soares, em
depoimento prestado à Polícia Federal, apesar de negar a existência da
transferência a terceiros, em nome do PT, de recursos não contabilizados, o
que foi pelo mesmo admitido diante das evidências posteriormente colhidas,
informou que Marcos Valério veio ao seu encontro para oferecer ajuda ao PT35.
O início desse relacionamento, que se transformou,
segundo informado por Marcos Valério, em uma sólida amizade, e que teve,
por parte de Marcos Valério, a intenção de apresentar o seu modus operandi
de desvio de recursos públicos e utilização de instituições financeiras para
lavagem de dinheiro, gerou excelentes resultados para esse publicitário que,
logo de início, promoveu a campanha publicitária do Deputado João Paulo
Cunha à Presidência da Câmara dos Deputados, o qual, uma vez eleito,
contratou justamente a empresa SMP&B para as campanhas institucionais da
Câmara, situação eivada de ilegalidades que será descrita no tópico seguinte.
Marcos Valério, que até então era um publicitário
desconhecido da cúpula do PT, além da campanha à Presidência da Câmara
acima destacada, também promoveu, apesar da hegemonia do publicitário
Duda Mendonça no “marketing político” do Partido dos Trabalhadores, as
campanhas às Prefeituras de Osasco/SP, São Bernardo do Campo/SP e
Petrópolis/RJ, obtidas em razão da “proximidade” de Marcos Valério a Delúbio
Soares e outros integrantes do PT36.
Uma situação específica é paradigmática do grau de
relacionamento entre o núcleo central da organização criminosa e Marcos
Valério.
35 "QUE conheceu o publicitário MARCOS VALÉRIO no final do ano de 2002, na época
da campanha eleitoral para Presidência da República; QUE foi apresentado a
MARCOS VALÉRIO pelo Deputado Federal VIRGÍLIO GUIMARÃES em um encontro
ocorrido no Comitê Eleitoral Central de São Paulo/SP; QUE MARCOS VALÉRIO lhe foi
apresentado como um grande profissional do ramo de publicidade, sendo que o
mesmo estaria disposto a ajudar o PT; Que no início do ano de 2003 MARCOS
VALÉRIO passou a coordenar, através da sua empresa, a campanha da candidatura
do Deputado Federal JOÃO PAULO CUNHA para a Presidência da Câmara dos
Deputados...". (fls. 245/250).
36 Vide depoimento de Márcio Hiram Guimarães Novaes (fls. 1649/1651).
Denúncia no Inquérito nº 2245 30
Trata-se da execução do acordo estabelecido entre o
núcleo central da quadrilha e o PTB, um dos Partidos que teve seu apoio
político adquirido pela organização.
Nos termos relatados pelo seu ex Presidente, Roberto
Jefferson, parte dos recursos referentes aos R$20 milhões de reais que iam ser
transferidos pelo PT ao PTB seriam obtidos em transação referente à aquisição
da empresa TELEMIG pela Brasil Telecom, operação acompanhada
diretamente pelo ex Ministro José Dirceu.
Em viagem realizada a Portugal para as tratativas acima,
Marcos Valério apresentou-se como “Marcos Valério do PT do Brasil”, ou seja,
um facilitador das pretensões de empresários e outros interessados perante o
Governo Federal. Nessa linha, reuniu-se sozinho com o Presidente da Brasil
Telecom e informou ao interlocutor do PTB na viagem, Emerson Palmieri, que
se lograsse êxito na manutenção da conta de publicidade, conseguiria
equacionar o problema da dívida do PT junto ao PTB37.
Marcos Valério, experiente no ramo da criminalidade,
tinha uma rede própria de servidores corrompidos para facilitar suas
atividades ilícitas. Nessa seara, constam os casos do Procurador da Fazenda
Nacional Glênio Sabbad Guedes e do funcionário do Banco Central do Brasil
Antônio Carlos Vieira, que estão sendo encaminhados para as respectivas
instâncias judiciais, não integrando a presente denúncia.
Entretanto, depois de assumir o papel de principal
organizador dos crimes perpetrados pelo núcleo central da quadrilha (José
Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e Sílvio Pereira), Marcos Valério
obviamente passou a exercer junto a setores do Governo Federal o prestígio
por ele alcançado. Afinal, como declinado em sua viagem a Portugal, ele
passou a ser “Marcos Valério do PT do Brasil”.
Assim sendo, começou a transitar com incrível
desenvoltura junto a diversos órgãos públicos, intermediando pleitos do seu
37 Vide depoimento de Emerson Eloy Palmieri (fls. ); Marcos Valério (fls. ); Roberto
Jefferson (CPMI).
Denúncia no Inquérito nº 2245 31
próprio grupo empresarial, do outro núcleo da organização criminosa (Banco
Rural38) e de outras empresas privadas que o procurassem. Enfim, assumiu o
posto de interlocutor privilegiado junto a setores do Governo Federal.
A título ilustrativo, destaca-se que o publicitário
acompanhou, no mínimo em duas ocasiões, o ex Vice-Presidente do Rural em
reuniões com o Diretor de Fiscalização do Banco Central Paulo Sérgio
Cavalieiro nas dependências do BACEN (fl. 55/56).
O Vice-Presidente de um Banco que se dedica
rotineiramente a atividades suspeitas e que se encontrava sob fiscalização do
BACEN, utilizou-se justamente da pessoa de Marcos Valério, que não tem
qualquer vinculação com a área financeira39, para acompanhá-lo em reunião
com a cúpula do BACEN40.
Marcos Valério também confirmou que intermediou
reuniões entre o Sr. Carlos Rodenburg, acionista do Banco Opportunity, que
lhe solicitou ajuda para solução de problemas que estava enfrentando no
relacionamento com o Governo Federal, fato confirmado por Delúbio Soares (fl.
247) e também, conforme declarado pelo próprio Delúbio, intermediou visita
de Delúbio e José Genoíno à empresa Usiminas41.
Ou seja, Delúbio Soares, além de atuar como
representante do PT, também se relacionava com empresários e terceiros na
qualidade de integrante do Governo Federal, com legitimidade para discutir a
38 Vide, entre outros, depoimento de Marcos Valério (fls. 727/735), especialmente o
trecho: “Que, quanto ao registro de ingresso do depoente no Edifício-Sede da ECT,
onde consta a anotação “Banco Rural”, esclarece que de fato compareceu na ECT
acompanhado dos Srs. Caio e Lucas, Diretor e Gerente do Banco Rural, que
pretendiam que a conta de e recebimento dos serviços prestados aos Correios fosse
transferida diretamente ao Banco Rural.”
39 Suas empresas são do ramo de publicidade.
40 Vide Aviso nº 0121/BCB-Presi, contendo listagem com a indicação de visitas de
MARCOS VALÉRIO ao Banco Central, destacando-se que o mesmo visitou a sede do
BACEN em Brasília em treze ocasiões e em São Paulo, quatro vezes.
41 "QUE foi procurado por CARLOS RODENBURG, acionista do Banco Oportunity que
alegou que estava enfrentando problemas de relacionamento no Governo Federal; QUE
Carlos Rodenburg sabia que o declarante conhecia DELÚBIO SOARES, tendo pedido seu
auxílio para intermediar um encontro com esse; QUE DELÚBIO relutou bastante para
aceitar o encontro, uma vez que o mesmo tinha uma má impressão do grupo Oportunity;
QUE no encontro RODENBURG pediu a DELÚBIO que tentasse 'aparar as arestas' que o
grupo Oportunity mantinha com o governo do PT; QUE DELÚBIO explicou que realmente
a impressão do governo com o grupo eram muito ruim...". – fl. 58.
Denúncia no Inquérito nº 2245 32
questão do relacionamento com grupos econômico extremamente influentes,
como é o caso do Opportunity. Uma instituição privada desse porte, em
hipótese alguma, solicitaria o auxílio de Marcos Valério para uma reunião com
Delúbio Soares se não vislumbrasse nesse encontro uma possibilidade de
atendimento a seus pleitos legítimos ou ilegítimos.
Tal era a influência de Marcos Valério no Governo Federal
que o mesmo era procurado por parlamentares para resolverem suas
pendências de distribuição de cargos públicos federais, quando não
conseguiam tratar tais assuntos diretamente com o ex Ministro José Dirceu,
Sílvio Pereira ou o próprio Delúbio42.
Delúbio Soares, em seu primeiro depoimento (fls.
245/250), negou o esquema de transferência de recursos a parlamentares ou
do relacionamento financeiro entre PT, empresas de Marcos Valério e
instituições financeiras, mas confirmou que contraiu, em nome do PT,
empréstimos de 2,4 milhões de reais junto ao Banco BMG para cobrir
despesas da posse do Presidente da República, valores que se revelaram
posteriormente bem mais expressivos.
Diante das comprovações das transações financeiras,
Delúbio também informou que esse empréstimo foi viabilizado justamente pelo
empresário Marcos Valério, que, além de intermediar a aproximação do núcleo
central da quadrilha com os dirigentes dos Bancos Rural e BMG, figurou como
avalista da operação e saldou parcela vencida e não paga, com a concordância
de José Genoíno, Presidente do PT43.
42 Vide, entre outros, depoimento de José Borba (fls. 3548/3551), especialmente:“QUE tendo em vista
o não atendimento de seus pleitos pelo Governo Federal, o DECLARANTE começou a
buscar outros canais de negociação; QUE dentre esses canais pode citar o próprio
MARCOS VALÉRIO; Que procurou MARCOS VALÉRIO para tentar reforçar os pleitos de
nomeação junto ao Governo Federal.”
43 Vide, entre outros, depoimento de Delúbio Soares (fl. 249), especialmente: "QUE em julho de 2004
MARCOS VALÉRIO saldou uma prestação no valor de R$350 mil, referente a taxa de
juros cobrada pelo contrato; QUE o pagamento desta parcela de juros pelo avalista
MARCOS VALÉRIO não foi contabilizado junto ao TSE.. QUE também obteve um
empréstimo no Banco Rural, agência Av. Paulista, no valor de R$3 milhões; QUE esse
empréstimo foi concedido em maio de 2003, sendo que sua atualização em agosto de
2005 alcançará o montante de R$6 milhões; QUE esse empréstimo no banco Rural
também possui como avalista o Sr. Marcos Valério...QUE foi apresentado por
MARCOS VALÉRIO aos dirigentes do Banco Rural que concederam o referido
empréstimo." Destaquei
Denúncia no Inquérito nº 2245 33
O núcleo delituoso representado por Marcos Valério,
como afirmado anteriormente, era composto pelos denunciados Ramon
Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza
Dias.
Inicialmente, destaque-se que Marcos Valério montou
uma intricada rede societária com o objetivo de tornar viável suas práticas
criminosas.
Nesse diapasão, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, como
sócios de Marcos Valério nas empresas SMP&B Comunicação Ltda, Graffiti
Participação Ltda e DNA Propaganda, tiveram participação ativa nos crimes
perpetrados44 45.
Eles atuaram em conjunto com Marcos Valério para o
cometimento dos delitos imputados, tendo agido intensamente na obtenção
dos empréstimos fraudulentos que alimentaram, em parte, o esquema.
Exemplifica o envolvimento de Ramon Hollerbach no
funcionamento da quadrilha a atuação decisiva nos pagamentos efetuados de
forma irregular no exterior aos publicitários Duda Mendonça e Zilmar
Fernandes, conforme depoimento do doleiro Jader Kalid Antônio (fls.
3582/3585).
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