A empresa SMP&B era o comitê central das atividades
criminosas do núcleo Marcos Valério, fornecendo a estrutura logística e
humana para a consecução dos objetivos da organização criminosa,
empregando como mão de obra as denunciadas Simone Vasconcelos e Geiza
Dias, ambas responsáveis pela parte financeira da referida empresa46.
44 Vide Relatórios de Análise 302/05 e 305/05
45 Vide, entre outros, o depoimento de Marco Prata (fls. 3594/3601), especialmente o
trecho: “QUE todos os três sócios, a saber, CRISTIANO, RAMON e MARCOS VALÉRIO,
participavam das decisões administrativas da SMP&B COMUNICAÇÃO e DNA
PROPAGANDA.”
46 Vide apensos 05 e 06 do inquérito, que materializam as atividades das denunciadas
mencionadas.
Denúncia no Inquérito nº 2245 34
Geiza Dias, como Gerente Financeira da SMP&B,
desempenhava um papel mais interno no funcionamento da quadrilha,
repassando para o Banco Rural as informações dos destinatários reais dos
valores que foram objeto dos delitos, além de determinar aos funcionários da
SMP&B saques em dinheiro47.
Ela encaminhava, principalmente via correio eletrônico48,
a qualificação dos beneficiários dos polpudos valores ilícitos que eram
originados, lavados e, por fim, entregues pela organização criminosa.
Além disso, recebia alguns beneficiários na sede da
SMP&B49 e organizava pessoalmente os repasses de valores em algumas
situações, como no caso envolvendo parte dos pagamentos ilícitos, inclusive
no exterior, aos publicitários Duda Mendonça e Zilmar Fernandes50.
Simone Vasconcelos era a Diretora-Administrativa da
empresa SMP&B. Nesse cargo, desempenhava principalmente o papel de
operadora externa do núcleo da organização criminosa liderada por Marcos
Valério51. Tinha por função dirigir-se a Agência Brasília do Banco Rural, sacar
o dinheiro e o repassar aos destinatários finais52.
Essas entregas, ordinariamente efetuadas na sede da
agência bancária, também ocorriam em hotéis.
Ela também tinha a função de telefonar para os
destinatários dos valores, informando que já estavam disponíveis e orientando
o local e a forma de recebimento.
47 Vide, entre outros, depoimento de Alessandro Ferreira (fls. 1698/1700).
48 Vide, entre outros, o depoimento de Simone Vasconcelos (fls. 588/595), Marcos
Valério (fls. 1454/1465).
49 Vide, entre outros, o depoimento de Fernanda Karina (fls. 03/08 e 11/15).
50 Vide, entre outros, os documentos de fls. 1044, 1047, 1055, 1058. Vide, também,
depoimento de David Rodrigues Alves (fls. 1693/1696), Zilmar Fernandes (fls.
1845/1852) e Jader Kalid (fls. COMPLEMENTAR).
51 Principalmente, tendo em vista que também desempenhava tarefas dentro da
empresa para a quadrilha.
52 Vide, entre outros, depoimentos de Geraldo Magela (fls. 260/261), Raimundo
Cardoso (fls. 262/263), Marcos Valério (fls. 355/360), João Cláudio Genú (fls.
576/583) e Zilmar Fernandes (fls. 1017/1024).
Denúncia no Inquérito nº 2245 35
Na realidade, Simone Vasconcelos está para o núcleo
Marcos Valério, assim como Marcos Valério está para o núcleo central da
quadrilha. Era peça fundamental na engrenagem criminosa, pois tinha como
ofício repassar o dinheiro para os beneficiários finais da engenharia criminosa
montada.
Além disso, foi a responsável pela organização da
documentação que resultou nos empréstimos fraudulentos junto aos Bancos
Rural e BMG.
A rede societária articulada por Marcos Valério envolvia
ainda a empresa Tolentino & Melo Assessoria Empresarial S/C, cujo sócio
Rogério Tolentino também era responsável pelas atividades delituosas do
núcleo Marcos Valério.
O denunciado Rogério Tolentino, junto com Marcos
Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, tinha o comando dos esquemas
criminosos confeccionados pelo núcleo Marcos Valério em conluio com o
núcleo Banco Rural, que foram utilizados pelo núcleo central da quadrilha53.
Aliás, Rogério Tolentino era, junto com Marcos Valério, o
integrante da quadrilha mais próximo do Banco Rural54.
Seu envolvimento pode ser visualizado em atuações
específicas da quadrilha, como a entrega de dinheiro ao Deputado Federal
José Mentor sob a justificativa de uma consultoria jurídica, buscando excluir
o Banco Rural das investigações parlamentares, sua ida junto com Marcos
Valério e Emerson Palmieri para Portugal para fechar uma das operações do
bando, e sua participação no episódio envolvendo o Procurador da Fazenda
Nacional Glênio Guedes55.
Digna de registro é a emblemática e reveladora reunião
ocorrida entre os responsáveis pela quadrilha (Marcos Valério, Ramon
53 Vide, entre outros, depoimento de Enivaldo Quadrado (fls. 1426/1431), Marcos
Valério (fls. 1454/1465), Valter Eustáquio (fls. 1643/1645).
54 Vide, entre outros, depoimento de Fernanda Karina (fls. 11/15) e Marcos Valério (fls.
51/62).
55 Vide, entre outros, depoimento de Glênio Sabbad Guedes (fls. 3640/3644).
Denúncia no Inquérito nº 2245 36
Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino) com o contador Marco Prata
após a eclosão do escândalo com a espúria finalidade de ocultar as provas dos
crimes praticados pela organização (fls. 3594/3601).
Pressionada pelo início das apurações, o núcleo da
quadrilha integrada por Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e
Rogério Tolentino reuniu-se com o contador para obstruir os trabalhos de
investigação, nos termos detalhadamente relatados no depoimento acima
citado.
O terceiro núcleo da organização criminosa era integrado
pelos principais dirigentes do Banco Rural José Augusto Dumont (falecido),
Vice-Presidente, José Roberto Salgado, Vice-Presidente Operacional, Ayanna
Tenório, Vice-Presidente, Vinícius Samarane, Diretor Estatutário e Kátia
Rabello, Presidente, todos responsáveis pelo Comitê de Prevenção à Lavagem
de Dinheiro e pelas áreas de compliance, contabilidade, jurídica, operacional,
comercial e tecnológica da instituição financeira.
Em busca de vantagens patrimoniais indevidas, no
exercício do comando do Banco Rural, eles estabeleceram mecanismos de
operacionalização dos vultosos pagamentos em espécie às pessoas indicadas
pelo núcleo de Marcos Valério de forma a possibilitar a não identificação dos
efetivos beneficiários, bem como burlar a legislação e normas infralegais que
estabelecem a necessidade de identificação e comunicação às autoridades
competentes de operações com indicativos de lavagem de dinheiro56.
Ademais, por intermédio dos supostos empréstimos,
injetaram cifras milionárias nas contas da quadrilha para viabilizar o
cometimento dos crimes narrados.
O íntimo relacionamento entre o núcleo de Marcos
Valério e os dirigentes do Banco Rural fica evidente ao longo das provas
produzidas na investigação57.
56 Vide Relatório de Análise 191/05.
57 Vide, entre outros, depoimentos de Fernanda Karina (fls. 03/08 e 11/15), Marcos
Valério (fls. 51/62, 355/360 e 727/735), Delúbio Soares (fls. 245/250) e Guilherme
Rocha (fls. 3602/3607).
Denúncia no Inquérito nº 2245 37
Quanto à sistemática e freqüência dos saques de valores
vultosos, em espécie, principalmente na agência do Banco Rural em Brasília,
são relevantes as informações prestadas pelo então Tesoureiro dessa agência,
Sr. José Francisco de Almeida Rego, o qual informou que a partir de 2003 os
saques em espécie tornaram-se polpudos, freqüentes e operacionalizados por
fax, telefonemas ou correios eletrônicos encaminhados pela agência de Belo
Horizonte, indicando o valor e a qualificação do sacador do dinheiro em
espécie no banco58.
O procedimento adotado pelos dirigentes do Rural em
conluio com Marcos Valério teve o efeito de transformar os saques em espécie
efetuados pela Diretora Financeira Simone Vasconcelos em cheques ao
portador, obstando a identificação do efetivo beneficiário, sobretudo nas
situações em que a própria Simone comparecia à agência e assinava o recibo59.
Os pagamentos efetuados pelo grupo de Marcos Valério
em benefício das pessoas indicadas pelos dirigentes do PT denunciados,
utilizando-se das facilidades proporcionadas pelos dirigentes do Rural, que
garantiam o trânsito, em espécie, de vultosas quantias por meio de
58 Vide depoimento de José Francisco de Almeida Rego (fls. 222/227), especialmente: "QUE, em geral
eram pessoas simples, que não trajavam terno, e que se dirigiam ao depoente dizendo o
seguinte: 'vim pegar uma encomenda'; QUE, fato curioso é que nestes dois anos de
altíssimos e freqüentes saques, nenhum recebedor fez a conferência do numerário,
sendo que apenas se limitavam a abrir uma 'bolsa' e colocar toda a quantia dentro dela;
QUE geralmente sacava notas de cinqüenta ou cem reais junto ao Banco Central com a
finalidade de diminuir o volume do dinheiro...".
59 Vide depoimento de José Francisco de Almeida Rego (fls. 222/227), especialmente:
"QUE, entretanto, apesar de SIMONE REIS assinar o recebimento do dinheiro, não
chegava a levá-lo consigo; QUE estas pessoas chegavam a apresentar a carteira de
identidade para se confirmar sua identificação, mas não se tirava cópia, já que o recibo
estava assinado por SIMONE REIS;”.
Vide, entre outros, depoimento de Lucas da Silva Roque ( fls. 228/229),
especialmente:"QUE nas poucas vezes que presenciou SIMONE recebendo dinheiro,
observou que SIMONE pegava o numerário das mãos de RENATO CÉSAR e
imediatamente colocava o dinheiro em uma pasta ou uma bolsa, saindo em seguida...".
Posteriormente o Sr. Lucas retificou parte da informação acima e acrescentou: "QUE
perguntado novamente acerca da identificação da pessoa que deveria receber o
numerário na agência Brasília, já que anteriormente disse que a entrega far-se-ia a um
funcionário da empresa SMPB e algumas linhas atrás Ter dito que algumas pessoas
iam lá, nem sempre funcionários dessa empresa, respondeu que esclarecendo melhor,
explica que na maioria das vezes era SIMONE quem recebia o dinheiro, em outras
oportunidades, no entanto, SIMONE indicava pessoas que podiam receber ou mesmo se
fazia acompanhar destas pessoas; QUE não pode afirmar que em todos os
recebimentos o nome do recebedor ficou registrado, mas acredita que isso ocorreu..."
Denúncia no Inquérito nº 2245 38
mecanismos que obstaram a efetiva identificação do beneficiário. Segundo o
depoimento do Superintendente do Banco Rural em Brasília, Sr. Lucas da
Silva Roque, tratava-se de uma facilidade proporcionada pelo Banco
denominada "Política de Relacionamento".
No entanto, essa "Política de Relacionamento" aplicada de
forma sistemática e rotineira, em Brasília, foi operada apenas em relação aos
saques nas contas de Marcos Valério para distribuição a parlamentares e
outros, pois o próprio gerente do Banco Rural que informou a existência dessa
política, esclareceu, logo em seguida, que esse tipo de entrega de numerário
que foi feito diversas vezes na agência Brasília para a empresa SMPB não foi
adotado para nenhuma outra empresa cliente do Banco Rural, com a
mesma intensidade e freqüência da empresa SMPB..."60
Em conclusão, a atuação habitual, organizada e reiterada
de José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério,
Ramon Hollerbach, Cristiano de Mello Paz, Rogério Tolentino, Simone
Vasconcelos, Geiza Dias, José Augusto Dumont (falecido), José Roberto
Salgado, Ayana Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabelo para a prática dos
crimes descritos na presente denúncia encontra-se caracterizada em todo o
acervo probatório do inquérito e será detalhada nos itens abaixo, sob o
aspecto dos crimes de peculato, lavagem do dinheiro, gestão fraudulenta de
instituição financeira, corrupção, evasão de divisas.
Assim procedendo de modo livre e consciente, na forma
do art. 29 do Código Penal:
a) JOSÉ DIRCEU, DELÚBIO SOARES, JOSÉ GENOÍNO,
SÍLVIO PEREIRA, RAMON HOLLERBACH, CRISTIANO DE MELLO PAZ,
ROGÉRIO TOLENTINO, SIMONE VASCONCELOS, GEIZA DIAS, JOSÉ
ROBERTO SALGADO, AYANNA TENÓRIO, VINÍCIUS SAMARANE e KÁTIA
RABELLO estão incursos nas penas do artigo 288 do Código Penal
(quadrilha); e
60 Depoimento do Superintendente do Banco Rural em Brasília, Lucas da Silva Roque
(fls. 229/231).
Denúncia no Inquérito nº 2245 39
b) MARCOS VALÉRIO, em concurso material, está
incurso nas penas do:
b.1) artigo 288 do Código Penal (quadrilha); e
c.2) 2 (duas) vezes no artigo 299, segunda parte
(documento particular), do Código Penal (utilização da sua esposa Renilda
como laranja nas empresas SMP&B e Graffiti Participação Ltda.).
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